Confira a entrevista realizada com dois diretores do Sindicato dos Trabalhadires da USP (SINTUSP), Magno e Brandão, para a segunda edição do jornal USPemGreve:
1- O Sintusp tem sofrido diversos ataques. Quais são¿ Qual
sua relação com a mobilização estudantil?
Magno: Em primeiro lugar é bom relacionar estes ataques
com o que está por trás disso aí. O que está em jogo hoje na universidade é a
disputa entre dois projetos: o projeto que nós defendemos, nós, eu digo,
funcionários, professores e estudantes, pelo qual lutamos. Eu, há mais de
trinta anos estou aqui na universidade e luto por este projeto, de uma
universidade pública, gratuita, de qualidade, autônoma, democrática e a serviço
dos trabalhadores. Enquanto esse Reitor apresenta um projeto – que aliás não é
só dele, é dos anteriores também, só que ele vem com um projeto de acelerar a
implantação desse modelo – que é de uma universidade caminhando para a privatização,
com a implantação de cursos pagos em todos os locais e também, no caso dos
funcionários, demissões em massa e substituição por terceirizados, e,
principalmente, uma universidade voltada para os interesses da empresa
capitalista. Então, os ataques que nós estamos sofrendo, de repressão; de
demissão do companheiro Brandão, diretor do sindicato, por ações sindicais;
processos administrativos que pedem demissão por justa causa também de mais
diretores do sindicato (eu, a partir de março, vou responder a um processo
administrativo aberto pelo próprio Reitor, de demissão por justa causa. Eu e
mais quatro diretores liberados aqui, afastados para cumprir seus mandatos
sindicais, e mais dois militantes); oito estudantes eliminados da universidade
– a palavra [eliminados] não é nossa, é do processo que eles receberam, não
podem inclusive entrar em outra universidade pública estadual -; a
militarização da universidade, com o convênio, com a polícia abordando
truculentamente estudantes e trabalhadores; atentado ao nosso sindicato: outro
dia entraram no sindicato à noite e abriram todos as bocas de um fogão de gás
industrial, que podia ter levado isso aqui a explodir; prisões arbitrárias de
estudantes, de funcionários, mas principalmente de estudantes; tudo isso visa destruir
a organização sindical dos trabalhadores e também a organização estudantil.
Eles sabem que para implantar este projeto que atinge a todos nós eles vão ter
que primeiro destruir a organização. E por isso as demissões, a demissão do
Brandão, as próximas, que são as nossas, previstas pra este mês e o próximo aí.
E nós vamos ter que reagir, isto está claro. Nós estamos agora discutindo com
todos os estudantes na Calourada que a defesa desta universidade pública e
gratuita não pode ser cada um no seu gueto. Temos que unificar como nunca
estudantes, funcionários e professores porque o que está em jogo neste momento
é este projeto. Todo este conjunto de ataques tem como objetivo destruir nossas
organizações, isto está claro, para que este projeto possa ser implantado.
Brandão: Os ataques ao Sintusp
não são novos, na verdade. Já há algum tempo, quase uma década, que a direção
do sindicato sofre uma série de processos, primeiro no âmbito administrativo, e
depois também no âmbito civil e criminal. Então, são registrados pela
universidade boletins de ocorrência na delegacia sob quaisquer acusações, que
acabam se tornando processos, com o intuito de, num primeiro momento intimidar,
e no último período, cerca de uns dois anos pra cá, estes ataques recrudesceram.
Com uma quantidade muito maior de processos e de forma cada vez mais clara com
o objetivo agora de demitir, não só diretores do sindicato mas ativistas mais
próximos do sindicato. Por acaso eu fui o primeiro a ser demitido. Houve outros
companheiros que sofreram sanções pesadas: suspensão de vinte dias, o que para
um trabalhador que depende do salário para se sustentar e sustentar a família
perder vinte dias de salário repercute em férias, repercute em todos os níveis,
é uma punição bastante drástica. O atentado que o sindicato sofreu no dia 12 de
janeiro: quando chegaram aqui pela manhã os funcionários sentiram cheiro de gás
e constataram que as seis bocas do fogão industrial estavam abertas, coisa
feita por profissional porque não houve sinal de arrombamento em nenhuma das
portas; havia uma sala do sindicato com documentação que havia sido aberta
também sem arrombamento, com a documentação revirada. Um outro ataque que o
sindicato vem sofrendo por parte da reitoria tem a ver com uma série de
calúnias que a reitoria, apoiada na mídia, divulga contra o sindicato no
sentido de isolar da opinião pública para facilitar o trabalho de implementar a
repressão. Então, basicamente são esses ataques. Agora, o que é importante
ressaltar, primeiro, é que os ataques não são só contra o sindicato. Medidas
semelhantes a estas que a reitoria tem tomado contra o sindicato e os
trabalhadores que atuam no sindicato, têm sido tomadas também contra o
movimento estudantil e os estudantes que atuam, que militam no movimento estudantil.
Da mesma forma, são inquéritos policiais, processos administrativos, cíveis e
criminais contra estudantes, até a “eliminação”, que é o termo que se utilizou
no caso dos oito companheiros e companheiras expulsos no início do ano. Para
além obviamente do emprego do aparato policial pra reprimir manifestações,
atos, manifestações, que todo mundo conhece. E da mesma forma que fazem com o
sindicato, também em relação aos estudantes se faz também um ataque calunioso,
no sentido de apresentar o movimento estudantil e o movimento sindical aos
olhos da opinião pública como quadrilhas. Como se fossem criminosos, marginais,
maconheiros, etc., como se as pessoas aqui não estivessem lutando em defesa da
universidade, estivessem supostamente pleitando o direito de fumar maconha.
Para isso não precisava vir pra universidade, bastava ficar no primeiro e
segundo grau que se distribui aí aos caminhões. Então, é isso: não se trata de
um ataque apenas ao Sintusp; é um ataque ao Sintusp, é um ataque ao movimento
estudantil, ao Núcleo de Consciência Negra e todos os setores que se organizam
em luta por uma universidade diferente desta têm sofrido ataques. Importante
registrar também que esta virulência do último período se dá em função de que a
burocracia acadêmica necessita implementar o mais rápido possível seu modelo de
universidade privatista, elitista, muito mais subordinado aos interesses do
capital privado do que é hoje, muito mais elitista; necessita, busca, ampliar
os espaços das fundações de direito privado, das organizações sociais (OS), das
parcerias público-privadas, etc., que é parte do receituário da burguesia para
a gestão da coisa pública e este projeto tem enfrentado uma forte resistência,
tanto do sindicato, portanto dos trabalhadores organizados pelo sindicato, e
dos estudantes organizados pelo movimento e pelas entidades estudantis. Então,
o que se trata na verdade é de um ataque que tem por objetivo eliminar esta
resistência para poder implementar um modelo de universidade como eles
pretendem; no caso dos funcionários o PROADE, revisão de grade curricular,
enfim.
2- Como vocês veem o papel da
aliança entre os trabalhadores e estudantes? E os professores?
Mg: Pela experiência dos últimos
anos, tudo o que a gente conseguiu de vitórias maiores, de restringir o projeto
do governo, este projeto que falei, tem sido a partir desta aliança entre
estudantes e trabalhadores. Professor é claro que tá sendo cada vez mais
difícil, a gente tem um número menor de professores que têm essa perspectiva de
lutar por uma universidade com esse projeto que eu coloquei, mas temos ainda
uma parcela de professores que tá com a gente e, mais do que nunca, como eu já
tinha dito, vai ser fundamental essa aliança pra impedir que estes projetos que
o Rodas representa (não são dele), sejam implantados na universidade. Por isso
nós estamos trabalhando na Calourada com toda a força. Vamos participar de
todas as calouradas por curso, amanhã mesmo eu vou estar na calourada unificada
exatamente discutindo essa necessidade da unificação, e junto os estudantes e
professores, deixando claro o que está em jogo, o que está acontecendo neste
momento, porque para nós este ano deve ser decisivo. Pela truculência com que
nós estamos sendo atacados e por um Reitor que, além dele defender este
projeto, ser um cara de extrema direita, é uma pessoa meio...deve ter problemas
mentais inclusive; um cara que defende a restauração da monarquia no Brasil em
pleno século XXI. É este cara que nós estamos enfrentando, e não vamos poder
enfrentar sozinhos, nós vamos ter que lutar a turma toda aí.
Br: Uma coisa é ver este papel
num plano mais estratégico de mudança da sociedade, ou seja, de transformação
revolucionária da sociedade. A relação do movimento estudantil com o movimento
operário cumprirá seguramente um papel extremamente importante não só quando a
questão da luta pelo poder estiver colocada mas também em função da necessária
construção de uma nova inteligência, uma inteligência operária para a
construção de um Estado operário, de uma sociedade socialista em moldes
diferentes do que é a sociedade burguesa, portanto num viés exatamente oposto
da forma como pensa a inteligência burguesa constituída pela maioria dos
intelectuais que aí estão hoje. Isso num plano mais estratégico, agora num
ponto de vista mais imediato aqui na universidade, no caso das universidades
está aliança é crucial no sentido de, primeiro, impedir a implementação de
projetos como este que tem a burocracia acadêmica, que vai desde a questão do
Ensino à Distância, com Univesp, em detrimento do ensino presencial, ou seja,
pra barrar o avanço deste processo de precarização do ensino; para barrar
projetos inclusive de cobrança de mensalidades como já foi apresentado e pode
retornar; e projetos que na verdade desviam recursos da universidade para
cursos pagos, que até então eram cursos de MBA e coisa parecida, lavagem de
diploma, mas que agora já existe curso de graduação na FIA, um processo de
privatização da universidade pública partindo da própria universidade pública.
Então é uma aliança que, neste sentido, é crucial para podermos impedir a
implementação deste novo projeto de universidade; para garantir, a partir de
defender esta universidade como ela é hoje, apesar de seu caráter elitista e
tudo o que ela tem, para a partir daqui avançar na construção, na implantação
das mudanças para que esta passe a ser uma universidade voltada não para os
interesses empresariais, os interesses do capital privado, mas que ela possa de
fato prestar serviço para a classe trabalhadora, como a maioria da população e
os setores mais excluídos e oprimidos da sociedade. Uma universidade a serviço
da classe trabalhadora e a serviço do povo pobre passa necessariamente pela
transformação desta, o que será praticamente impossível se não houver uma
aliança entre os trabalhadores, esta vanguarda mais consciente dos
trabalhadores da universidade, com o movimento estudantil e, na condição de
hoje, seguramente apoiado numa parcela muito pequena de professores, digamos
assim, dos liberais pra frente, até os mais de esquerda. Porque professor
revolucionário aqui, infelizmente são poucos. Você pode contar nos dedos.
Agora, tem professores que poderiam se tornar aliados do movimento. Hoje a
gente tem certo apoio e respaldo de professores combativos, lutadores, etc,
mais comprometidos com os interesses dos trabalhadores, comprometidos com uma
transformação social, com a transformação da universidade, mas em uma
quantidade muito pequena ainda. Creio eu que é possível ainda que o movimento
de trabalhadores, o movimento estudantil, desde que organizados, consigam
aproximar um leque de aliados mais amplo do que o que tem hoje entre os
professores. É necessário entender que não é um processo fácil de construir,
tem muita divergência, muitas questões a serem superadas mas é uma necessidade.
Portanto, uma tarefa é que tantos os trabalhadores quanto os estudantes, os
independentes e as distintas correntes que atuam aí aprendam a fazer unidade na
ação no marco de debater aberta e democraticamente suas divergências tanto no
plano das questões mais táticas, quanto no plano estratégico. O debate tem que
ser feito de forma aberta e de forma democrática, sem que isso seja feito em
detrimento da necessária unidade na ação.
3- O que vocês acham que deve
mudar na universidade?
Mg: A universidade tem que deixar
de caminhar para ser uma universidade a serviço da empresa e ser uma
universidade a serviço dos trabalhadores; essa é a nossa luta, esse é o
principal, é o centro da nossa luta. Pra isso vai ter que mudar muita coisa,
inclusive a sua forma de organização, de estrutura. Quando eu falei da questão
da democracia: a gente tem que ter uma universidade que todos nós,
funcionários, estudantes, professores e o povo que paga esta universidade têm
que ter participação nas decisões dos rumos desta universidade. É a principal
questão para que a gente venha a mudar. Com esta estrutura de poder, com um
Conselho Universitário que tem a FIESP, tem a federação da agricultura, enfim,
o patronato, e uma maiora esmagadora da burocracia acadêmica: diretores de unidade,
professores titulares e tal, decidindo os rumos dela com uma representação
rídícula de estudantes e funcionários, esta universidade jamais vai mudar. Isto
está na raiz da questão: pra mudar, nós temos que mudar toda a estrutura, e
claro que isso a gente sabe que não vai ser com pouco movimento não; vai ser
com muita luta, com uma disputa violenta que nós vamos ter que vencer para que
a gente caminhe para esta universidade que a gente acabou de colocar aqui, que
é o nosso projeto.
Br: A primeira coisa é o
seguinte: a universidade hoje é extramamente elistista e uma das tarefas para
romper e fazer com que se aproxime cada vez mais da classe trabalhadora, dos
filhos da classe trabalhadora, do povo pobre, que possa ter acesso, é,
obviamente, a democratização do ingresso na universidade com o fim do
vestibular, garantindo o acesso livre a todos os trabalhadores à universidade.
Isso coloca abertamente a necessidade de se mudar toda a estrutura de ensino
superior neste país, o que vai passar necessariamente pela necessidade de
estatização de todo o sistema educacional, de universidade particulares, das
pagas, e obviamente, portanto, um maior investimento público no sentido de
melhorar e recuperar a qualidade destas universidades. Esta questão de romper com
o elitismo da universidade é algo fundamental e não se alcança isso sem assumir
as demais tarefas que a simples democratização exige. É necessário mudar a
estrutura de poder. Na verdade, a universidade hoje está sob o poder de uma
burocracia acadêmica que é a burocracia que está aprofundando o elitismo, que
está se apropriando da estrutura da universidade para enriquecer, para prestar
serviço a seus senhores empresários, a seus senhores burgueses, não só pros
empresários que atuam na universidade como professores, altos executivos que
são professores da universidade, como por exemplo é o coordenador do campus, o
professor Sidnei, como ele tem vários outros aí. Então se trata de arrancar o
poder desta camarilha de burocratas; se trata de arrancar o poder dos
terceirizadores pra impedir que a terceirização continue; se trata de arrancar
o poder dos privatizadores para que a privatização da universidade deixe de
seguir avançando; se trata de arrancar o poder daquele que se utilizam do poder
para construir os cursos pagos para impedir que isso continue se proliferando;
arrancar o poder dos donos das empresas chamadas “fundações” para impedir que
estas continuem se proliferando. Então, quando falamos da mudança da
universidade se trata de fazer com que a classe trabalhadora, como sujeito
social, como os estudantes, organizados, possam de fato exercer o controle da
universidade, decidir os rumos da universidade, as prioridades da universidade,
enfim, controlar a universidade. Então, obviamente isso não é possível numa
única universidade mas é uma tarefa que se faz necessária, que exige de todo
mundo que esteja envolvido nisto, portanto, colocar abertamente para a classe
trabalhadora, para o povo pobre, para aqueles que estão excluídos da
universidade, para aqueles que pagam impostos para sustentar a universidade e
tem que pagar mensalidade absurdar que chegam a até dois mil reais para estudar
numa universidade privada; se trata de buscar uma forma de ganhar esta gente
para que juntos a gente possa transformar a universidade, fazer dela de fato
uma universidade que esteja de fato o mais próximo possível deste sonho que nós
temos que é a universidade a serviço da classe trabalhadora e do povo pobre.
Agora, isso passa necessariamente por subverter toda a lógica.
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