Conforme declarações públicas da Pró-Reitoria de
Pós-Graduação, as mudanças propostas fazem-se necessárias no sentido de
transformar a USP em uma Universidade
Classe Mundial.
Todavia, o que nos tem inquietado a muitos, alunos e
professores da USP, diz respeito à pertinência/necessidade de algumas das
mudanças anunciadas, entre as quais se pode destacar:
1.
exame de qualificação
obrigatório para todos os alunos da pós-graduação, a realizar-se em até 12
meses de seu ingresso;
2.
exclusão da possibilidade de
re-apresentação do Relatório de Qualificação no caso de reprovação;
3.
necessidade de parecer prévio
por escrito, para teses de doutorado, podendo o candidato/aluno ser impedido de
defender publicamente seu trabalho no caso de a maioria dos pareceres escritos
indicar inaptidão à defesa;
4.
orientador sem direito a voto
nas bancas examinadoras finais.
A principal argumentação utilizada pela Pró-Reitoria de
Pós-Graduação, para justificar tais mudanças é a referência a IES estrangeiras,
as quais têm modus operandi similares
ou iguais a este que se propõe hoje para o Regimento da Pós-Graduação da USP,
ressaltando-se o fato de que tais Instituições são melhores ranqueadas internacionalmente
que nós.
Naturalmente, não ignoramos o fato de que há muitas
experiências vividas em outros lugares no mundo, no campo científico e
acadêmico, passíveis de serem assimiladas por nós de forma positiva, ou seja,
produzindo-se aqui, em nosso contexto social, econômico, político e geográfico,
as mesmas benesses que produziram em seus lugares de origem.
Entretanto, entendemos, também, que não há um modelo
universal para se produzir uma Universidade
Classe Mundial e, se considerarmos as condições em que fizemos ciência no
Brasil e na USP, particularmente, desde a sua fundação, podemos afirmar, sem
dúvida, que somos muito mais Classe Mundial
que diversas universidades melhores colocadas nos diversos ranqueamentos
internacionais. Por que podemos afirmar isso? Pensemos em alguns dados/informações.
Ranking das 10 melhores universidades do mundo segundo a TIMES HIGHER
EDUCATION– informações elementares
Universidade
|
Ano
de Fundação
|
Orçamento
Anual Recente
(valores
aproximados -em bilhões de Reais)
|
Número
Total
de Alunos
|
Proporção
Orçamento/Aluno
per capita
(em
reais)
|
Proporção
de Docentes/Pesquisadores por Aluno
|
USP
|
1934
|
3
|
76.000
|
39.473,68
|
1/14,5
|
California Institute of Technology
|
1921
|
6,3[1]
|
22.000
|
286.363,60
|
1/1,13
|
Harvard University
|
1636
|
57.6[2]
|
21.000
|
2.742.857,10
|
1/10
|
University of Stanford
|
1891
|
37[3]
|
18.500
|
2.000.000,00
|
1/1,73
|
University of Oxford
|
1096
|
3[4]
|
20.000
|
150.000,00
|
1/ 2,35
|
Princeton University of London
|
1746
|
17,2[5]
|
12.000
|
|
|
Cambridge University
|
1209
|
3,4[6]
|
10.000
|
340.000,00
|
1/3,3
|
Massachussetts Institute of Technology
|
1861
|
4,8[7]**
|
11.000
|
436.363,36
|
1/11
|
Imperial College of London
|
1891
|
2[8]
|
14.000
|
142.857,14
|
1/12
|
Chicago University
|
1907
|
4,6[9]
|
15000
|
306.666,66
|
1/7
|
Califórnia University at Berkeley
|
1868
|
3,5
|
36.000
|
97.222,22
|
1/15
|
Obs.: as
informações e dados acima expostos foram extraídos das páginas das respectivas
universidades, disponíveis na web.
**Excluindo-se orçamento
destinado ao Laboratório do MIT que tem parceria com a NASA.
Como se pode ver na tabela acima, a Universidade de
Harvard, Estados Unidos, desenvolveu sua
reconhecida capacidade de produzir conhecimento ao longo de pouco mais de três
séculos e com orçamentos, muito provavelmente, bem superior aos nossos. Vale
lembrar que se hoje Harvard tem um orçamento anual quase vinte vezes superior ao da USP, com um número total de alunos 60% menor, há poucos anos atrás, o orçamento
total da USP – 2005, por exemplo – não chegava aos 2 bilhões de reais. Entre
outras coisas, pode-se notar que enquanto a USP investe menos de 40.000 por
aluno, em Harvard esta conta chega ao estratosférico valor de quase 3 milhões
de reais!!! Dá para comparar?
Oxford, por sua vez, tem, aparentemente, um orçamento
igual ao da USP hoje, mas como a comunidade estudantil oxfordiana é 70% menor
que a nossa, a universidade inglesa, com
quase mil anos de história, empenha cerca de 150.000 reais por aluno.
Certamente, os seus quase dez séculos de história foram importantes na
definição de suas políticas acadêmicas e, especialmente, de pesquisa. Estaremos
nós querendo ser mais oxfordianos que nossos colegas ingleses? Ou será que
queremos mesmo é ser mais realistas que o rei?
Entre as dez melhores do mundo, ainda segundo o ranking “Times Higher Education”, por
exemplo, aquela que tem o menor investimento per capita por aluno – Califórnia University at Berkeley – empenha
duas vezes e meia os valores investidos pela USP.
Apesar de a USP ter, proporcionalmente às melhores
universidades do mundo, orçamentos bem mais modestos, parte da sociedade
brasileira, ao contrário do que ocorre nos países que abrigam as “top 10 do
mundo”, estimulada por uma visão tupiniquim de uma imprensa irresponsável, nos
rotula de “burgueses gastões” .
Outro elemento importante neste debate e que não pode
ser negligenciado diz respeito à hegemonia lingüística mundial da língua
inglesa, ou seja, pesquisadores/cientistas anglófonos levam reconhecida
vantagem em termos da reverberação internacional de seus trabalhos em relação,
por exemplo, a pesquisadores/cientistas não-anglófonos.
Em sua competente análise acerca de classificações
internacionais de universidades e, especialmente sobre a classificação “Xangai”[10],
Hervé Théry (2010: 192) diz a esse respeito:
Outro fator de distorção é que o inglês tornou-se, na
maior parte dos campos científicos, a língua internacional e que os
universitários do mundo anglófono são muito mais integrados ao circuito
internacional que os seus homólogos dos outros blocos culturais.
Consequentemente, essa classificação das universidades favoreceu claramente os
países para os quais o inglês é a língua materna.
Outra distorção apontada por Hervé Théry (2010: 191-2)
quanto à classificação “Xangai”, diz respeito à subestimação clara das ciências
sociais e humanas. Conforme o autor:
O lugar das
ciências sociais e humanas é claramente subestimado nessa classificação, os
próprios autores o reconhecem, mas eles confessam não ter encontrado, para
esses campos científicos, critérios que correspondam às exigências que tinham
fixado: medidas universalmente reconhecidas como válidas e livremente
acessíveis na internet. Em especial, o fato de não poder dispor de uma
classificação dos livros, um dos principais meios de expressão dessas ciências,
prejudicou a sua inclusão correta na classificação.
Se, entretanto, insistem alguns em comparar o
incomparável, uma das conclusões a que podemos chegar é a de que a USP é muito
mais Classe Mundial que as dez
melhores universidades do mundo, afinal de contas, conseguimos ser a melhor
universidade da América Latina e estar hoje entre as 70 melhores do mundo, com
pouco mais de 70 anos de história, utilizando muito menos recursos que a
maioria delas e abrigando 3, 4 ou 5 vezes mais alunos que a maior parte dessas
instituições.
Isto posto, não
deveríamos nós ensinar a eles os nossos métodos e não o contrário?
Proposta de Novo Regimento
– entre equívocos e sofismas
Em audiência pública com alunos, professores e
funcionários realizada no dia 19/03 próximo passado e promovida pela
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, nosso Pró-Reitor, insistindo no expediente da
comparação com os outros, utilizou, em certo momento, um argumento equivocado para ilustrar suas reflexões. Segundo o mesmo,
nas dez melhores universidades do mundo sequer existe defesa oral de
dissertação e tese.
Considerando fundamental que assuntos de tamanha
seriedade, como a revisão do Regimento Geral da Pós-Graduação, não podem ser
tratados de forma especulativa, trazemos, a seguir, informações sobre defesas
de dissertações e teses em cinco das dez melhores universidades do mundo. Para
tanto, investigamos os procedimentos adotados por essas universidades em cursos
de pós-graduação escolhidos aleatoriamente.
HARVARD
UNIVERSITY
Accounting & Management
Dissertation
All students must write a dissertation.The defense is oral and open to the public.
Students in Accounting begin research in their first year typically by working with a faculty member. By their third and fourth years, most students are launched on a solid research and publication stream. In accounting, the dissertation may take the form of three publishable papers or one longer dissertation. Disponível em http://www.hbs.edu/doctoral/areas-of-study/accounting-management/curriculum.html.
STANFORD
UNIVERSITY
Convite
para a defesa oral de uma tese em Engenharia Elétrica (caso alguém se
interesse, ainda dá tempo de assistir...)
PhD Oral: Vicky He Wen
Vicky He Wen, electrical engineering,
"Sensing With Slow Light in Fiber Gragg Gratings.
"When: Monday, April 2, 2012. 4:30 PM.
Where: Paul G. Allen Building Annex,
CISX-Auditorium (101) (Map)
Audience:
General Public
Faculty/Staff
Students
Alumni/Friends
Faculty/Staff
Students
Alumni/Friends
Tags:
PhD Oral
Engineering
Engineering
Sponsor:
School of
Engineering
Permalink: http://events.stanford.edu/events/315/31507
OXFORD
UNIVERSITY
NOTES OF GUIDANCE FOR RESEARCH
EXAMINATIONS
(D.Phil., M.Litt., MPhil/MSt in Law, M.Sc. By Research)
(D.Phil., M.Litt., MPhil/MSt in Law, M.Sc. By Research)
1.
The oral examination or viva
It is the responsibility of the internal examiner to make all the
arrangements for the viva examination. Your
internal examiner should normally contact you to arrange a date for your viva within a month of receiving your
thesis. If the Research Degrees Team do
not receive a date for your viva
within a month of sending out your thesis, they will contact your
examiners. On no account should you
contact the examiners yourself except where you have to agree a date for the viva.
(disponível em http://www.ox.ac.uk/students/course_guidance_supervision/graduates/forms/#d.en.7467)
CAMBRIDGE
UNIVERSITY
The Oral Examination
('viva')
The oral examination need not be in Cambridge (although it
is normally expected to be in the UK) but should take place in the most
mutually convenient location. It should be carried out between the two
examiners, and the candidate. It may include an independent chair if the degree
committee has deemed it appropriate. There are no rules for its duration, but
as an approximate guide, it will normally occupy at least 90 minutes and is
likely to conclude within about three hours.The oral examination should allow:
- the candidate to defend their dissertation and clarify any matters raised by the examiners
- the examiners to probe the candidate's knowledge in the field
- the examiners to assure themselves that the work presented is the candidate's own and to clarify matters of any collaboration
- the examiners to come to a definite conclusion about the outcome of the examination.
The University of Chicago
Departamento
de Astronomia e Astrofísica
It is the responsibility of the
Dissertation Committee to conduct a final oral
examination. At the conclusion of the examination, the Committee will
(1) accept or reject the defense of the dissertation and (2) accept the
dissertation or specify the further work that will be required in order to make
it acceptable.
The Dissertation - The principal
requirement for the Ph.D. Degree is the presentation
and defense of a dissertation describing an original piece of research
that has been performed independently by the student. (disponível em http://astro.uchicago.edu/gradprogram/index.shtml#Examination)
Dadas as informações acima,
Entre os rankings internacionais e as avaliações
nacionais
Na onda dos ranqueamentos internacionais, outro processo
em curso na USP é o de criação de um novo sistema de avaliação da qualidade de
sua pós-graduação.
Para que e a quem servem os sistemas de avaliação seja
de universidades “classe mundial” ou de programas de pós-graduação?
1. No caso da avaliação da pós-graduação, o
sistema Capes tem servido, entre outras coisas, para fomentar a competição
entre Programas, em escala nacional. Como? Os Programas melhor classificados
são aqueles que recebem mais recursos. Assim, esse sistema trabalha para manter
na penumbra aqueles que apresentam maiores dificuldades; enquanto isso, os
melhores têm suas receitas fortalecidas.
2. Um sistema de avaliação pautado na
competição contribui, efetivamente, para “varrer” do universo da pós-graduação
os Programas que não conseguem melhorar suas notas, por razões diversas, entre
as quais a dificuldade em vencer os mecanismos vorazes da competição (fatores
temporais – programas jovens; fatores geográficos – dificuldade em fixar
professores/pesquisadores em lugares distantes dos centros econômicos mais
dinâmicos do país, fatores financeiros – escassez de recursos, por exemplo).
3. Coincide, historicamente, com a
instalação do sistema de avaliação da Capes uma reconhecida perda de qualidade
na formação geral de pós-graduandos no Brasil. Naturalmente, não se pode
atribuir única e exclusivamente à avaliação Capes algo que decorre de um
sucateamento do ensino em todos os níveis no país, reinante durante décadas.
Todavia, alguém quem duvida de que existe relação direta entre avaliação Capes
e encurtamento de prazos na pós-graduação stricto
sensu? Alguém tem dúvida de que o sistema de avaliação Capes fomentou, de
forma incomensurável, o produtivismo no país? Alguém duvida de que prazos menores e professores e
alunos focados na produção-fim (ou seja, a produção por ela mesma) contribuem
significativamente para piorar a qualidade da pós-graduação?
Tais inquietações me conduzem a perguntar: como se fazia
a avaliação da produção na USP, por exemplo, nos anos 50, 60 e 70?
O reconhecimento nacional e internacional da USP,
historicamente construído, subordinou-se, durante décadas, única e
exclusivamente à inserção social de seus
formandos, graduados e pós-graduados, bem como à sua produção científica, que
revolucionou diversos setores da vida social.
Todavia, na medida em que, pós anos 80, começa a
ampliar-se, substancialmente, o universo da pós-graduação brasileira, “a fatia
do bolo” para cada um tinha de diminuir!
É nesse contexto que assumimos uma lógica empresarial de
avaliação, fundada não somente na produção,
mas sobretudo e principalmente na produtividade.
Paradoxalmente, enquanto o setor produtivo se flexibiliza, supera o
paradigma fordista e incorpora princípios toyotistas, a vida cotidiana na
universidade volta-se para a produção em massa além de tornar-se cada dia mais
inflexível!
A melhor avaliação da USP foi e continua sendo feita
pela sociedade brasileira, de modo geral, e paulistana, especificamente. A
inserção de nossos egressos, tanto da graduação como da pós-graduação em todos
os setores do mercado de trabalho, incluindo-se postos de liderança em escolas
de ensino fundamental e médio, universidades, empresas de todos os ramos e
governos em todas as escalas expressa a verdadeira reverberação do investimento
público onde ele deve reverberar.
Por fim concluo acreditando que temos empenhado muito
tempo e energia na construção de parâmetros, indicadores e relatórios de
avaliação, os quais alimentam uma verdadeira esquizofrenia avaliativa nacional. Enquanto isso, nossos alunos
clamam, simplesmente, por uma boa aula, por um pouco de atenção, por uma boa
conversa, enfim, atividades elementares, cada vez mais difíceis de serem desenvolvidas
em um cotidiano acadêmico regido pela competição. Quanto ao tempo para a
pesquisa, passou a ser um sonho de todos nós. Algo me parece estar errado.
Sem mais, despeço-me, cordialmente,
Profa. Dra. Rita de Cássia Ariza da Cruz
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Geografia Humana da FFLCH/USP
[1] http://finance.caltech.edu/Resources
[2] http://vpf-web.harvard.edu/annualfinancial/
[3] http://facts.stanford.edu/finances.html
[4] http://www.ox.ac.uk/gazette/2006-7/supps/3_4783.pdf
[5] http://finance.princeton.edu/princeton-financial-overv/financial-facts/
[6] http://www.admin.cam.ac.uk/reporter/2011-12/weekly/6246/i.pdf
[7] http://web.mit.edu/facts/financial.html
[8] https://workspace.imperial.ac.uk/finance/Public/annual_report/annual_report_10_11.pdf
[10] Instituição
Escore (2008)
1 Harvard
University 100
2 Stanford
University 73,7
3
University of California – Berkeley 71,4
4
University of Cambridge 70,4
5
Massachusetts Institute of Technology (MIT) 69,6
6
California Institute of Technology 65,4
7 Columbia
University 62,5
8 Princeton
University 58,9
9
University of Chicago 57,1
10 Oxford
University 56,8
Fonte: THÉRY, Hervé. Classificação de universidades mundiais: “Xangai” e
outras. estudos avançados 24 (70), 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n70/a12v2470.pdf.
Professora,
ResponderExcluirCom o devido respeito:
1. Todas estas IES que você menciona são particulares, com exceção de Berkeley. A USP é pública. Uma parte muito pequena dos orçamentos destas IES estrangeiras provém do estado. A maior parte do orçamento destas instituições provém de anuidades escolares, doações e dinheiro para pesquisa, etc, que não são fontes públicas. Não é o dinheiro público que financia estas universidades estrangeiras. Cadê a fonte de dados de Berkeley, professora?
No que se refer aos seus questionamentos sobre a avaliação da CAPES:
1. A Exma. professora acharia melhor que os piores cursos de pós recebessem mais dinheiro proporcionalmente do que os melhores?
2. Como a Exma. Professora explica o fato de existirem programas que começaram com notas 3 ou 4 e hoje são programas com notas 5, 6 ou 7? A Exma. Professora acha ruim que os professores se esforçem para fazer uma pós-graduação de qualidade? Se a competição leva os programas a melhorarem, a Exma. Profa. acha isso ruim?
3. Se este modelo de PG está fazendo com que a USP se torne melhor classificada no THE, este modelo é ruim? Se é ruim, quais seriam suas propostas para que este modelo fosse melhorado?
Grato por sua atenção.