por Antônio David
No dia 30 de novembro, foi divulgado o resultado de um plebiscito organizado pelo Grêmio da Poli (G-Poli) junto aos estudantes da Escola Politécnica da USP. Considero muito importante que se faça uma leitura atenta e que se tire as devidas lições dele.
Primeira lição: A desinformação reina na Poli
Examinando as respostas, nota-se que a maioria dos estudantes tem opinião formada sobre os assuntos relativos à greve e às reinvindicações do movimento estudantil. No entanto, um dos dados que mais chama a atenção é o elevadíssimo percentual de estudantes que declararam “não possuir opinião formada” justamente sobre as questões que talvez sejam as mais relevantes: aquelas que dizem respeito à universidade (questões 4, 5 e 6; íntegra, AQUI)
Vejamos: 26% não possuem opinião formada se deveria haver um aumento da representação discente no Conselho Universitário – presumidamente, não possuem opinião formada sobre o quão democrático ou antidemocrático é o Conselho Universitário; 19% não possuem opinião formada sobre a maneira como o Reitor é eleito; 18% não possuem opinião formada sobre a gestão Rodas.
Parece pouco, mas não é. Sobretudo quando se considera que os estudantes que votaram são aqueles que de uma forma ou de outra têm uma maior pré-disposição a opinar, a tomar parte, a participar. Ora, se entre estes a desinformação é tão grande, muito maior do que em pesquisas de opinião convencionais, é de se supor que entre os estudantes que não votaram (quase 90% dos estudantes da Poli) a desinformação é ainda maior.
Como não é natural que haja tamanha desinformação a respeito de questões tão importantes para a vida universitária, a única conclusão que se pode tirar é que, na Poli, o acesso às informações é bastante restrito. Dessa conclusão, pode-se extrair outra: as entidades estudantis da Poli não têm cumprido a função de informar os estudantes e fomentar o debate sobre questões fundamentais concernentes à universidade.
Segunda lição: A maioria dos estudantes da Poli não é de direita
O resultado do plebiscito mostra que a maioria dos estudantes que votou é neste momento a favor da PM no campus, repudia as ocupações da administração da FFLCH e da Reitoria e está contra a greve. Isso é fato. No entanto, 48% dos estudantes que votaram disseram discordar da forma como o reitor é eleito (e 19% dizem não ter opinião formada); 40% disseram discordar da gestão Rodas (e 18% não têm opinião formada); 66% declararam que a mídia “gerou um ambiente pobre, em que uma opinião específica foi difundida”.
Portanto, o plebiscito mostrou que, neste momento, entre os estudantes da Poli que votaram, a maioria discorda dos métodos do movimento, mas concorda com parte das reivindicações do movimento – vale dizer, com a parte principal, uma vez que o problema de fundo de todas as demais reivindicações é a estrutura de poder da USP, inclusive o convênio entre a USP e a PM, pois este convênio foi assinado sem que a comunidade universitária pudesse opinar e tomar parte na decisão.
Isso mostra claramente que, ao contrário do que muitos pensam, o estudante da Poli não possui o esteriótipo que normalmente lhe é atribuído. E, ao mesmo tempo, que o grupo que proclama para si o rótulo de “maioria da Poli” talvez não represente a maioria.
Penso que as perguntas 4 e 6 são as que apontam, com alguma precisão, quem esse grupo de fato representa: aproximadamente 10%, ou seja, aqueles que aprovam a gestão Rodas e para quem está bom o número de cadeiras para a representação discente no CO. Mesmo entre estes 10%, não duvido que haja uma parte que possa ser convencida do contrário caso seja melhor informada sobre a estrutura de poder na USP. Uma coisa é certa: os membros da chapa Reação e do “Partido Polinova” (atual gestão do G-Poli) fazem parte deste grupo, minoritário.
Quanto à maioria, acredito que a questão 9 é bastante sintomática de quem é e o que pensa: 66% declaram acreditar na “viabilidade de um perfil mais humanizado para a PM como forma de modelo para a sociedade”. Ou seja, ao contrário de certas pessoas, a maioria não é adepta do malufismo, não é adepta da linha de pensamento fascista do “vou por a ROTA na rua”.
Nestes termos, a questão que devemos fazer é: se a maioria cultiva ilusões na viabilidade de uma PM humanizada – e por isso não é contra a presença da PM no campus – o movimento estudantil não tem a capacidade de convencer a maioria de que a PM não é a solução para o problema da segurança, mas é parte do problema da insegurança? Acredito que tem. Argumentos não faltarão.
Nas respostas deste plebiscito, a maioria oscila entre posições a favor e contra o movimento, o que já é em si mesmo bastante emblemático. De qualquer forma, a verdade é que a maioria não é de direita, não é reacionária. Estes são uma minoria. A maioria pode sim ser convencida pela direita e reproduzir um discurso reacionário ou até mesmo fascista, mas pode igualmente ser convencida por aqueles que têm ideias progressistas e uma prática democrática. E aqui fica uma lição para o movimento: a maioria só é convencida e apoia o movimento na medida em que o movimento se preocupa em conquistar o apoio da maioria e age nessa perspectiva – o que pressupõe não fazer nada que jogue a maioria contra si.
Terceira lição: A imensa maioria dos estudantes da Poli aprova manifestações políticas – coisa que o grupo que está à frente do G-Poli (“Partido Polinova”) e a chapa Reação não só não fazem, como abominam, detestam e ridicularizam
Um dado é especialmente curioso, sobretudo quando se leva em conta todo o esforço de apropriação dos resultados do plebiscito pela direita. Se a maioria dos estudantes da Poli neste momento discorda dos instrumentos de luta tradicionais do movimento (ocupação e greve), isso não quer dizer que a maioria seja contra a manifestação política: 87% disseram concordar com a “utilização de outros meios de manifestação que não greve e ocupação, tais como: passeatas pacíficas, manifestações artísticas, abaixo assinado, etc”.
Ora, em sendo assim, cabe o questionamento: o “Partido Polinova”, grupo que está há quatro anos à frente da gestão do G-Poli e que se considera tão representativo, acaso organizou ou participou de alguma manifestação política nestes quatro anos? Justiça seja feita – para não dizer que não organizou nem participou de nada –, neste longo período o G-Poli participou de uma única manifestação política: o “movimento fora Sarney” (sabe-se lá por qual motivação, se pela justa indignação frente à corrupção, ou se por alguma motivação político-partidária; de qualquer forma, vale destacar que os estudantes não foram consultados quanto a essa participação).
A mesma indagação deve ser dirigida para a chapa Reação, já que essa chapa reiteradamente se autoproclama a verdadeira porta-voz dos estudantes da Poli nas eleições para o DCE da USP: acaso a chapa Reação faria alguma manifestação política se estivesse à frente do DCE? É evidente que não. Não faria porque não faz. A única manifestação política que a chapa Reação considera, além da manifestação virtual via twitter e facebook contra o movimento estudantil, é o discurso do púlpito do Conselho Universtiário para apoiar o Reitor e sua gestão – Reitor este que, diga-se de passagem, a maioria dos estudantes que votou no plebiscito e que declarou ter opinião formada não aprova (para o desgosto da chapa Reação, do “Partido Polinova” e do diretor da Escola Politécnica).
Quarta lição: Greve que fez com que a maioria que votou no plebiscito da Poli se convencesse da necessidade de democratizar a estrutura de poder da universidade
Há ainda um outro elemento escondido por trás dos números, que não se percebe à primeira vista, mas que é de suma importância perceber.
Se esse plebiscito tivesse ocorrido há dois meses atrás, os percentuais acima mencionados, acerca da eleição para Reitor e sobre a gestão Rodas, certamente seriam menores. Isso significa que, com todos os erros e vacilos que o movimento cometeu, ainda assim o movimento conseguiu mostrar a relevância, senão de tudo, pelo menos de uma parte importante das suas reivindicações. Resultado: mesmo aqueles que repudiam as ocupações da administração da FFLCH e da Reitoria e que estão contra a greve foram convencidos de uma parte das reivindicações do movimento.
Quinta lição: O plebiscito da Poli revelou aquilo que seus organizadores esforçaram-se por mascarar quando organizaram o plebiscito: sua opção política em incentivar e fomentar a desfinformação e a apatia
O “Partido Polinova” é aliado da chapa Reação para o que der e vier. O que está em jogo, para estes grupos, com este plebiscito? Todos sabemos que estes grupos aproveitam-se dos vacilos e erros do movimento estudantil – que existem – para atacar o movimento e suas reivindicações, buscando com isso deslegitimar tudo o que o movimento faz e tudo o que o movimento reivindica – mesmo as coisas acertadas. Mas por quê?
Não nos enganemos ao achar que o objetivo destes grupos é pura e simplesmente aferir a opinião dos estudantes. Estes grupos possuem interesses políticos e ideológicos muito claros e definidos. Seu objetivo definitivamente não é “representar” os estudantes. Há um objetivo maior por trás do plebiscito. O que está em jogo para ambos os grupos é, sobretudo, afirmar e difundir uma proposta para o movimento estudantil. Vejamos isso mais de perto.
Estamos todos carecas de ouvir o discurso em uníssino do “Partido Polinova” e da chapa Reação: plebiscito, plebiscito, plebiscito. Estes grupos pintam o plebiscito como se o plebiscito fosse a coqueluche da democracia, a grande solução para todos os problemas do movimento estudantil. “A assembleia não é representativa; representativo é o plebiscito”, insistem em dizer. E continuam dizendo isso, mesmo sabendo que votaram no plebiscito 12% dos estudantes da Poli, contando graduação e pós-graduação.
O que este plebiscito monstrou? Neste momento, a maioria dos estudantes da Poli que votou no plebiscito está contra uma parte das reivindicações do movimento. Esse é o dado que a chapa Reação está divulgando a torto e a direito. No entanto, o plebiscito mostrou algo muito mais relevante, e que o “Partido Polinova” e a chapa Reação cuidadosamente escondem: que a desinformação na Poli é enorme, que a maioria dos estudantes da Poli que votou no plebiscito é crítica em relação à maneira como o Reitor é eleito e à gestão Rodas e que anseia por manifestar-se politicamente.
Ora, em terra arrasada pela total desinformação e pela total apatia, o ponto é que o plebiscito não só não informa ninguém e não supre a necessidade que os estudantes da Poli legitimamente sentem de informar-se e manifestar-se, como é utilizado de má-fé exatamente para legitimar uma opção política de não informar e não organizar manifestação alguma.
Explicou-me: em si mesmo, o plebiscito é um instrumento que pode tanto ser bem utilizado como ser mal utilizado. Não preciso dizer o quão importantes são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular em regimes democráticos. Entretanto, a democracia pressupõe que estes instrumentos venham acompanhados do acesso à informação, da prática cotidiana do debate e do exercício da manifestação política, e não que aqueles tomem o lugar destes, como que para justificar: “Pra que debate? Pra que manifestação? Temos o plebiscito!”. Ora, não é essa aberração o que tem acontecido na Poli?
Note-se: se o plebiscito tivesse sido utilizado após um longo e qualificado processo de debates, em que os estudantes tivessem o devido acesso à informação, e se viesse acompanhado do exercício da manifestação política, então seria uma coisa. Porém, no caso deste plebiscito a coisa é inversa: é para que não haja nenhum debate e nenhuma manifestação política que o plebiscito é evocado e utilizado.
Essa é a proposta destes grupos para o movimento estudantil, e é isso o que está em jogo com o plebiscito: fomentar a desinformação e a apatia para, de um lado, acabar com o movimento estudantil e, com isso, acabar com toda e qualquer manifestação política e com toda e qualquer opinião crítica à estrutura de poder autocrática da USP, e, de outro, fazer das entidades estudantis meras agências promotoras de eventos (de preferência, eventos que proporcionem gordos lucros para particulares) e palco para “líderes estudantis” que serão candidatos a qualquer coisa nas próximas eleições pelos partidos de direita – pois, não nos enganemos, é isso o que está em jogo para certos “líderes” da chapa Reação, ávidos dos holofotes e microfones da imprensa.
Todavia, para a infelicidade do “Partido Polinova” e de seus aliados da chapa Reação, o tiro saiu pela culatra. Ao fim e ao cabo, e ironicamente, muito mais do que essa ou aquela opinião de 12% dos estudantes da Poli, o plebiscito revelou aquilo que seus organizadores esforçaram-se por mascarar quando tomaram a iniciativa de propor o plebiscito: sua opção política em incentivar e fomentar a desfinformação e a apatia.
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